O ano de 2023 começou aquecido no mundo tributário. Já no primeiro mês do novo governo, foram instituídas uma série de medidas através das medidas provisórias nº 1.159/2023 e 1.160/2023 e de algumas portarias da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que visam, sobretudo, o aumento de arrecadação pelo Estado e a redução do déficit fiscal.
Embora num primeiro momento a expressão “aumento de arrecadação” possa assustar num país onde a tributação já é muito elevada, é necessário destacar que nem sempre esse aumento é proveniente da majoração de tributos, podendo ser, por exemplo, resultante de um programa que incentive o pagamento de débitos tributários que já são existentes mas se encontram inadimplidos, ou da instituição de medidas que incentivem os contribuintes a realizarem os pagamentos sem resistirem à cobrança, diminuindo a litigiosidade em matéria tributária.
O pacote de medidas anunciado pelo governo federal se apoia em diferentes métodos. Nele, por exemplo, instaurou-se um novo programa de transação tributária, foram promovidas mudanças em procedimentos administrativos e, ainda, foram instituídas alterações na forma de apuração de créditos de dois dos mais polêmicos tributos do nosso ordenamento jurídico, o PIS e a Cofins. Por isso, é importante analisar algumas das principais medidas instituídas, com o intuito de se determinar aquilo que é elogiável e aquilo que é criticável no nosso contexto tributário.
Vale frisar que o propósito deste texto não é realizar uma análise aprofundada de cada uma das medidas citadas, pois uma análise nesse sentido demandaria um texto próprio para cada uma delas. O que se busca aqui é expor ao leitor um panorama geral referente a cada um dos pontos e, então, indicar-se porque aquela medida pode ser vista como positiva ou negativa.
Pois bem.
Primeiramente, abordaremos o “Programa Litígio Zero”, o mais novo programa de transação tributária. Referida medida tem como objetivo possibilitar ao contribuinte a opção de reduzir o valor de uma dívida existente e/ou buscar uma forma de pagamento menos onerosa ao abrir mão da discussão em âmbito administrativo (ou até em um futuro âmbito judicial) relacionada ao débito em questão.
Basicamente, o programa fornece ao contribuinte a escolha de continuar discutindo a existência de determinada dívida (ou questionar seus valores), ou realizar o pagamento dela desde logo, sob condições favorecidas.
A adesão ao programa pode ser realizada entre o dia 1º de fevereiro de 2023 e o dia 31 de março de 2023, e prevê descontos entre 40% a 50% sobre o valor total da dívida para pessoas físicas, micro e pequenas empresas que possuam um débito de até 60 salários mínimos, e descontos de até 100% do valor de juros e multas cobrados para pessoas jurídicas com dívidas acima de 60 salários mínimos, além de diferentes formas de parcelamento do restante do débito em ambos os casos.
Trata-se de uma medida elogiável. Primeiro, porque permite que o contribuinte faça uma avaliação individual da sua situação e decida se prefere aderir ao programa ou não. Segundo, porque os descontos sobre os juros e multas aplicados podem viabilizar, de fato, o pagamento da dívida. Muitas das dívidas tributárias consideradas “impagáveis” existentes em nosso ordenamento só recebem essa classificação em decorrência de multas abusivas e de um grande período de incidência de juros aplicados sobre elas, de forma que tais penalidades podem culminar, muitas vezes, em valores muito maiores que o do próprio tributo cobrado em si.
Na sequência, no que tange às mudanças promovidas em procedimentos administrativos, destaco uma alteração positiva e uma negativa.
A positiva diz respeito a um instituto conhecido como “denúncia espontânea”. Esse instituto permite que determinado contribuinte que não tenha realizado o pagamento de algum tributo possa fazê-lo sem a necessidade de pagamento de multa (devendo pagar somente o valor principal acrescido de juros de mora), desde que isso seja feito antes de iniciado qualquer procedimento de fiscalização.
A alteração reside justamente na última parte, permitindo que o benefício da denúncia espontânea (deixar de pagar multas) seja possível mesmo que o pagamento seja realizado após o início de algum procedimento de fiscalização. Vale ressaltar que essa medida é válida somente até o dia 30 de abril de 2023, mas é positiva por representar um reforço positivo para que o contribuinte cumpra com suas obrigações tributárias.
Todavia, como nem tudo são flores, a alteração negativa diz respeito ao retorno do voto de qualidade, técnica de desempate de julgamentos que era empregada no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) até o ano de 2020.
O CARF é um órgão de composição paritária (com metade dos conselheiros atuando como representantes da Fazenda Pública e a outra metade como representantes dos Contribuintes) responsável por dar a última palavra em litígios administrativos sobre matéria tributária. Como a composição das turmas responsáveis pelos julgamentos é de número par, em caso de empate, até o ano de 2020, era permitido que o presidente da turma (sempre um representante da Fazenda Pública) proferisse um segundo voto para desempatar a questão, o que era conhecido como “voto de qualidade”.
Evidentemente, como os casos de empate sempre culminavam num voto “duplo” de um representante do Fisco, a tendência era que sempre que ocorresse um empate, a discussão seria decidida de maneira favorável à Fazenda. Em 2020, contudo, esse cenário mudou, quando a Lei nº 13.988/2020 trouxe uma previsão de que, em determinados casos, o empate seria sempre decidido como favorável ao contribuinte.
À época, tal medida foi vista como um grande avanço pelos contribuintes, principalmente porque a obtenção de decisões favoráveis em casos de empate significava que a questão não precisaria ser posteriormente levada ao Poder Judiciário, onde a discussão poderia se estender por anos sem um posicionamento que fornecesse segurança jurídica.
A justificativa manifestada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o retorno do voto de qualidade foi no sentido de que o desempate pró-contribuinte levou a uma perda arrecadatória de R$ 60 bilhões anuais. Contudo, tal justificativa é oriunda de uma compreensão equivocada acerca da função do CARF em nosso ordenamento jurídico.
O CARF é um tribunal cuja função é exercer o controle de legalidade dos atos realizados pela Administração Pública Federal que sejam concernentes à matéria tributária. Seu propósito nunca foi o de garantir ou aumentar a arrecadação, mas sim o de assegurar o respeito à legalidade.
O retorno do voto de qualidade, portanto, representa uma medida negativa no pacote instituído pelo novo governo, contribuindo para o fomento a uma cultura litigiosa na relação entre Estado e contribuintes.
Por fim, outra grande medida negativa que merece destaque no pacote de medidas tributárias estabelecido no início de 2023 diz respeito à alteração na forma de apuração dos créditos de PIS e Cofins, passando-se a excluir o valor referente ao ICMS (imposto embutido no preço de mercadorias) da base de cálculo dos referidos créditos.
A explicação detalhada dessa questão pode ser realizada em momento mais oportuno, visto que todos os tributos envolvidos (PIS, Cofins e ICMS) estão entre os mais complexos de nosso sistema tributário. O importante de se extrair dessa informação é que essa medida representa uma majoração indireta de tributos, visto que os contribuintes que estão submetidos ao regime de não-cumulatividade de PIS e Cofins passarão a gozar de créditos reduzidos e, consequentemente, pagarão valores maiores referentes a essas contribuições.
Evidentemente, toda e qualquer majoração de tributos no Brasil, seja ela direta ou indireta, é uma medida passível de crítica, já que nosso país possui um dos sistemas tributários mais onerosos do mundo.
O pacote de medidas tributárias instituído pelo novo governo causou – e continuará causando – muita repercussão na mídia nacional, saltando aos olhos de alguns pelas medidas consideradas negativas e sendo alvo de aplausos de outros em razão das medidas positivas.
Aqui busquei destacar, de forma bem resumida, algumas das medidas que têm ganhado mais holofotes – sem prejuízo de trazer análises futuras mais detalhadas sobre as medidas citadas ou ainda sobre outras não abordadas neste texto –, com o propósito de trazer a reflexão de que nem tudo que foi estabelecido é bom, mas também nem tudo que foi estabelecido é ruim. E, nesse sentido, entendo que é necessário dar a César o que é de César e dar a Deus o que é de Deus: o que é bom deve ser elogiado e o que é ruim deve ser criticado.