Reunificação e agenda econômica dão o tom para especialistas sobre os próximos passos para o novo governo eleito
Demorou quase 48 horas para o atual presidente, Jair Bolsonaro, se manifestar após as derrotas nas urnas, no segundo turno das Eleições de 2022. Ao fazer um pronunciamento para a imprensa no Palácio do Alvorada, o chefe do Executivo destacou a sua votação recorde para um não-eleito, com 58,2 milhões de votos — terceira maior marca desde a redemocratização brasileira —, e a força com a qual o espectro da direita saiu das eleições parlamentares.
Para ganhar, Luís Inácio Lula da Silva, que vai governar o país pela terceira vez a partir de 1º de janeiro de 2023, recebeu 60,3 milhões de votos. Portanto, a diferença entre os candidatos foi de 2,1 milhões de eleitores, numa margem percentual que ficou abaixo de 2 pontos: 1,8%, para ser mais preciso. Isso fez das Eleições Gerais de 2022 a mais parelha da história do Brasil.
“O desafio principal é reunificar um país que está completamente dividido e isso não é só retórica, as urnas comprovaram isso”, comenta a cientista política Deysi Cioccari, diante do quadro de polarização no país. E o primeiro sinal não foi animador, uma vez que, ao discursar para apoiadores, Lula “tratou a direita como uma barbárie, invalidando o posicionamento de 58 milhões de pessoas”, segundo a especialista.
Politicamente, o governo petista já começou. Na última quinta-feira (03/11), as equipes de transição do atual e futuro governo já realizaram as primeiras conversas e, na sexta (04/11), os representantes da coligação vencedora visitam o Centro Cultural Banco do Brasil, onde vão se instalar até concluída a passagem de administração. Dessa forma, Cioccari reforça: “o maior desafio vai ser esse: como manter o país estável, unificado, em meio a um ano de paralisia pelas consequências de um monte de coisas que aconteceram no mundo e no Brasil”.
Economia
A cientista política se refere aos dois principais acontecimentos na administração de Bolsonaro: a pandemia de Covid-19, as políticas sociais aprovadas em ano eleitoral e o conflito no leste europeu. “2023 deve ser um ano ainda de paralisia no governo Lula, porque ele vai ter que trabalhar com as consequências da Guerra na Ucrânia, da própria PEC Kamikaze. 2023 ainda é um ano de paralisia, em 2024 a economia deve começar a melhorar e ele deve começar a conseguir governar”, aponta Cioccari.
Especialista em renda variável, Nícolas Farto compartilha os anseios do mercado quanto à nomeação da equipe econômica do novo governo, o que ainda não foi feito. “Esse é um vetor de risco sim porque, se houver a nomeação de um nome menos alinhado com políticas austeras, a gente pode começar a ver algum movimento de desvalorização da nossa moeda na tentativa de antecipar algum gasto menos comportado”, afirma o economista.
A polarização também afeta o setor econômico, com os investidores menos propensos a fazerem negócios num cenário de muitas incertezas. Para Farto, no entanto, a esperança é que o pior já tenha passado. “A nossa expectativa é que, a partir de agora, isso se arrefeça, que o novo governo comece a desenhar a sua base, e a partir disso, a gente comece a tentar entender como que vai ser a postura fiscal”. Além disso, como alertou Bolsonaro, o especialista prevê que Lula e seu governo “vão estar bastante observados, especialmente porque não só aqui no Brasil eles vão encontrar uma oposição forte, mas também porque o mercado externo tá bastante desafiador”.
Como exemplo para a influência mercadológica em governo e as expectativas quanto a responsabilidade fiscal do novo governo, Farto cita o recente episódio ocorrido no Reino Unido. “A gente viu o que aconteceu com a Inglaterra, por exemplo, com a Liz Truss, quando tentou algumas ideias que o mercado não gostou e muito rapidamente o mercado puniu a moeda da Inglaterra e rapidamente ela caiu e foi substituída. Então a gente imagina que, por aqui, uma postura menos comprometida pode gerar um efeito parecido e, muito provavelmente, qualquer que seja o governo, teria que adotar alguma medida para não perder a governabilidade", destaca.
Em descanso, na Bahia, Lula volta aos compromissos oficiais como presidente eleito na próxima semana. É quando, segundo interlocutores, começam as discussões com sua equipe para definição dos nomes para ocuparem os ministérios.
Por Álvaro Couto