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Posso processar a mim mesmo?

Imagine que você tenha o poder de decisão quanto a um ato que tenha praticado, definindo se você pretende revê-lo por entender que é errado ou mantê-lo por entender que é correto. Nessa hipótese, você decide então que o ato deve ser desfeito, por não estar de acordo com as regras que lhes são aplicáveis. Todavia, você observa o ato novamente e passa a discordar da própria decisão, resolvendo, então, entrar na justiça contra si mesmo, questionando a decisão que tomou. Estranho e totalmente incoerente, não? Pois é exatamente isso que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável por representar a União em juízo, afirmou poder fazer.


Na última semana, a procuradora-geral da Fazenda Nacional Anelize Almeida, em entrevista ao Valor, afirmou que a Fazenda Nacional poderia recorrer ao Judiciário em caso de derrota da União em julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), dando vida à ilustração do parágrafo anterior.


O CARF é um tribunal administrativo responsável por fazer o controle de legalidade de atos praticados pela União relacionados à matéria tributária. Funciona da seguinte forma: se a Receita Federal pratica o lançamento de um tributo, exigindo o pagamento de determinado contribuinte, mas este discorda da cobrança, ele pode recorrer administrativamente dela. Em última instância, cabe ao CARF proferir o julgamento dizendo se aquela cobrança de fato é legal ou não.


Ocorre que é comum, em caso de derrota do contribuinte, que a questão seja ajuizada no Poder Judiciário, afinal, apesar do resultado do julgamento em instância administrativa, o contribuinte entende que a cobrança é ilegal e tem o direito de acesso à jurisdição para ver seu imbróglio resolvido. Já em caso de derrota do Fisco, a cobrança é extinta e a discussão se encerra.


Isso leva à equivocada compreensão para alguns de que seria injusto para o Fisco que a discussão não pudesse ser levada ao Poder Judiciário após sua derrota no CARF. No entanto, essa percepção não deve prosperar.


O CARF corresponde a um órgão da própria Administração Pública. Assim, quando decide que determinado ato praticado pela Administração deve ser anulado, não se trata de um terceiro tolhendo o Fisco ao direito de lançar um tributo, mas sim a própria Administração, através de um dos seus órgãos, que reconhece a invalidade da cobrança.


Trata-se de um mero exercício do autocontrole, em que a Administração Pública anula um de seus atos justamente por este estar eivado de ilegalidade. Ou seja, foi a própria União que reconheceu seu erro e decidiu favoravelmente ao contribuinte, encerrando a cobrança. Qual seria então o sentido de esta mesma União levar a discussão ao Judiciário para questionar a legalidade de uma decisão que ela mesmo proferiu?


Obviamente, não há sentido algum nisso. A própria ação seria, por si só, uma aberração jurídica, pois o autor seria a União; o réu também seria a União; a decisão atacada seria aquela proferida pelo CARF, um tribunal inserido na estrutura administrativa da Receita Federal, que também é um órgão da União. Ou seja, na ação em questão teríamos a seguinte situação: o autor disse que o contribuinte está certo, mas resolveu ajuizar uma ação contra si próprio para desfazer a decisão que ele mesmo proferiu.


E o pior de tudo é que, se essa possibilidade for aceita, praticamente seria decretado o fim do propósito de existência do próprio CARF, um tribunal de alta especialização técnica. Afinal, que utilidade teria para o contribuinte recorrer-se ao CARF se sua decisão, ao final, não significasse o fim da discussão? Se a intenção do contribuinte for a obtenção de um posicionamento final quanto à questão discutida, seria mais rápido simplesmente levá-la direto ao Poder Judiciário.


Permitir que a PGFN recorra ao Judiciário em caso de derrota da União no CARF seria uma desvirtuação completa da função e do papel deste órgão, com o único propósito de tentar obter um aumento na arrecadação em detrimento da própria legalidade.


Portanto, deixo aqui uma proposta de reflexão para os defensores dessa ideia: faz sentido que alguém processe a si mesmo?

 

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